Capítulo I

Sempre achei São Paulo uma cidade muito fria, cinza, um lugar onde as pessoas olham as outras só pra confirmar se estas estão olhando pra elas. Um lugar onde a desconfiança e o medo sufocam qualquer tipo de hospitalidade que alguém possa ter. Voltava da faculdade, onde cursava o terceiro ano de publicidade, na mesma hora de sempre. As pessoas também eram quase sempre as mesmas e algumas vezes eu pensava viver algo parecido com o que acontece no filme “Truman: show da vida”. Devaneios a parte, naquele dia alguma coisa parecia diferente. Aquele primeiro banco do ônibus já não estava tão confortável assim; as conversas das outras pessoas atrás de mim me incomodavam e eu não me sentia avontade com aquilo. Imaginava que todos falavam de mim, de algum detalhe ou alguma coisa em mim que eu não percebia. Aquela sensação de estranhar a si próprio não parecia ser tão estranha. Desci no segundo ponto depois do cemitério (era assim que eu tinha aprendido em que ponto descer e continuava sendo assim que eu fazia há 3 anos). Cheguei no prédio ansioso e um pouco ofegante e me perguntava porque o porteiro não destravava logo o portão. Será que ele tinha alguma coisa contra mim? pensei. Entrei e percebi algo estranho em seu olhar. Logo depois que as portas do elevador se fecharam ouví algumas risadas que confirmaram o que eu pressentia: ele só podia estar rindo de mim. Entrei sem saber se eram todos que estavam diferentes ou eu que não conseguia mais me reconhecer. Aquilo tudo era muito estranho, parecia que o mundo conspirava contra, que tudo girava ao meu redor no sentido contrário. Liguei a tv e subitamente vi o relógio do jogo de futebol  voltar 1 segundo e deixar claro meu estado de paranóia. Deitei na cama e comecei a transpirar e sentir uma impotência muito grande diante de tudo que se passava. Estava acontecendo de novo, era síndrome do pânico. Dentre todas as minhas paranóias essa era a única que agia sobre mim sem que eu conseguisse esboçar nenhuma reação. Liguei para a minha analista e ela me indicou o mesmo calmante que eu tomei da última vez que tinha acontecido. Por sorte eu ainda tinha alguns comprimidos em cima da geladeira e não precisei juntar forças e criar coragem pra descer até a farmácia. Aquela tarja preta agiu como uma venda em meus olhos e depois de engolir o comprimido não me lembro de mais nada.

No dia seguinte estava deitado no chão da sala com a tv ligada e uma dor de cabeça incontrolável. Já passava das duas da tarde e eu precisava comer alguma coisa. Poderia ter feito o pedido por telefone, mas meu espírito de superação falou mais alto e eu decidí ir até um fast food próximo pra encarar o problema de frente. Depois de sentar para esperar meu pedido ficar pronto percebi que duas meninas conversavam e me olhavam de vez em quando e eu também as olhava, mas apenas pra saber se elas estavam me olhando. Uma mesa vazia a minha esquerda determinava o espaço que nos separavam que não passava de um metro. A proximidade era muito grande e diretamente proporcional ao pânico que eu comecei a sentir. Tentei disfarçar procurar algo no celular, mas quanto mais eu tentava parecer normal mais estranho eu ficava. Minhas mãos começaram a tremer e as meninas perceberam o que estava acontecendo. Prontamente as duas se levantaram e enquanto a primeira me olhava com cara de assustada, a segunda tentava convence-la de que não havia problema algum e que ela já tinha conhecido pessoas com casos parecidos. Elas foram embora e aquele fato me abalou profundamente. Comecei a chorar e entre uma lágrima e outra peguei o almoço e resolvi comer em casa. Passei pela recepção do prédio olhando para o chão e desta vez não dei nenhuma chance para que o porteiro me atingisse com algum olhar estranho. Depois de comer, liguei novamente pra minha analista e descrevi toda a situação. Ela me explicou que isso acontecia porque havia algum gatilho que disparava a minha sensibilidade elevando-a a níveis extremos e que eu precisava identificar a causa e resolver a situação. Realmente era isso, da primeira vez o fato estava ligado a morte de meu pai e desta ao possível término do meu namoro de quase 3 anos. Era insuportável imaginar que a mulher da minha vida estivesse prestes a deixar a minha vida. Para que isso não acontecesse eu estava disposto a aceitar o fato dela ter ficado com outra pessoa e já atribuía ao que aconteceu a idéia dela ter acabado de entrar na faculdade e estar contagiada por todo o clima de mudança proporcionado por isso. Liguei para a Flá e pedi pra ela passar as 18 no meu ap pra gente conversar.

Definitivamente o tempo não estava a meu favor. Depois de vê-lo voltar no dia anterior o que eu mais queria era que ele passasse o mais rápido possível naquela tarde. Aproveitei pra colocar em prática um desejo antigo: começar a escrever um livro. De acordo com a minha analista aquilo me ajudaria a exteriorizar todos os meus medos e angústias e a medida que eu fosse escrevendo iria me sentir cada vez mais relaxado. Era inegável que a minha situação naquele momento iria influenciar diretamente na estória. Sem nenhuma inspiração, as coisas não caminhavam muito bem e eu tinha produzido muito pouco até que a campainha tocou. Só podia ser a Flá e a tão esperada conversa estava pra começar.

-- Tudo o que aconteceu não foi de propósito, ou pelo menos com o propósito de te magoar.

-- Como?

-- Isso mesmo! Não tive intenção de te machucar.

-- Mas as suas intenções com aquela pessoa me machucaram. Portanto, mesmo indiretamente você teve intenção sim.

-- Você nunca vai entender Gabriel! Você não consegue separar as coisas. Se primeiro tentasse me entender, talvez agora conseguisse perceber que não havia má intenção.

-- Talvez você tenha razão. Mal intencionado sou eu por querer manter uma relação com você.

Pronto, o primeiro diálogo da estória tinha terminado. Ainda refletindo se Gabriel seria um bom nome pro protagonista abrí a porta e a Flá entrou. Depois de um beijo rápido, apenas pra cumprir o protocolo, comecei a conversa enquanto ainda trancava a porta.

-- Flá. A gente tá passando por momentos diferentes, mas eu acho que tudo pode dar certo, a gente pode ficar bem e superar tudo isso.

Diferentemente da estória, comecei logo fazendo o papel que eu esperava que a Flá fizesse. Não queria continuar brigado e nem discutir muito sobre o assunto; precisava resolver aquilo o quanto antes. Porém, parece que o desejo não era recíproco. Um silêncio enorme se seguiu depois de eu ter dito aquilo. Ela estava com uma cara que negava cada palavra e ao mesmo tempo com um olhar de estranheza muito grande, talvez em retribuição aos meus que deixavam visíveis minha situação. Minha cabeça tremeu levemente como uma espécie de tique nervoso e depois de alguns segundos ela resolveu me dizer que ainda estava muito confusa e que não decidiria nada naquela hora. Que merda! Eu poetizei tanto aquele momento, criei um diálogo pra estória tentando prever como seria (tudo bem que no diálogo eu não dava o braço a torcer mas no fundo queria que tudo terminasse bem) e só recebí em troca uma resposta da boca pra fora. Ela pareceu ter passado só pra dar um “oi” e dizer que tudo continuava igual. O vazio que se instaurou entre a gente foi tão grande que pela primeira vez achei que aquela kit net  possuia espaço suficiente pra alguém sobreviver. Tinha quase certeza de que ela percebeu que eu não estava mentalmente bem e por isso deu um jeito de ir embora o quanto antes. O impasse estava formado. Eu precisava dela pra superar tudo aquilo e ao mesmo tempo parecia precisar estar bem para continuar com ela.

Comentários

Anônimo disse…
Passei pra te desejar Feliz Natal e encontro o pirimeiro capítulo! Ai, Deus... já vi que vou voltar aqui infinitas vezes!! Continue.. sim. E ñ demore muito pra atualizar...rs...nada de suspense!
Feliz Natal, garoto! :))