Capítulo II

Por mais que eu tentasse resistir, não tinha jeito, a semana tava começando e eu precisava ir pra faculdade. Essa era a minha única obrigação (mesmo eu não sendo obrigado a cumprir). Troquei de roupa e quando já tava quase saindo olhei pra aquela camiseta branca e pensei: não, melhor trocar, vestido de branco assim os outros vão pensar que eu sou louco. Voltei, coloquei uma camiseta preta e fui em direção ao ponto de ônibus. Eles apontavam no fim da rua enquanto eu tentava ver ansiosamente se era o que eu pegava e depois que eles chegavam me sentia impaciente e frustrado por não ser o meu. Isso se repetiu umas 50 vezes até que finalmente ele apareceu. Minha cabeça doía e meus olhos começavam a pesar um pouco. Sentei na janela, no segundo banco da direita. Olhava as pessoas que entravam no ônibus passarem e quando alguma delas olhava para o banco vazio ao meu lado eu pensava: não, não, é proibido sentar aqui, proibido, proibido. Algum tempo se passou e o inevitável estava pra acontecer. Alguém ia ocupar aquele lugar, era uma menina, aparentava ter uns 22 anos, loira, muito bonita e talvez por muitas pessoas dizerem isso pra ela, tinha uma cara de cú impressionante. Parecia se sentir a rainha do ônibus. Enfim, a miss da linha se sentou ao meu lado e a viagem seguiu. Quando faltava uns 10 minutos pra eu descer tudo estava parado; alguns funcionários de alguma construtora reivindicavam alguma coisa. Sinceramente eu não tava nem aí pra aquilo, mas como de costume aquilo me atingia diretamente. Enquanto o marasmo se seguia pensei em puxar um papo com a miss da linha. Primeiro imaginei como seria a conversa pra ter certeza se valeria a pena.

-- Olá. Tudo bem?

(cara de cú, seguida de um meio tudo)

-- Tá afim de conversar ou tá sem saco?

-- Ahh, to com sono.

-- Então tá, foi um prazer não te conhecer!

Comecei a rir incontrolavelmente e aquilo chamou a atenção de todos (principalmente da miss da linha). Ela me olhou com cara de estranheza e percebendo que havia um banco vazio do outro lado se levantou. Naquele momento eu olhei pra ela e disse bem alto: foi um prazer não te conhecer! Desta vez seu olhar foi de medo e ela desceu no ponto seguinte. Coitada, deve ter tido que andar quase 1 km e nesse trajeto todo deve ter me xingado de todas as formas. Me arrependi um pouco mas pelo menos consegui esquecer daquela dor de cabeça que voltava subitamente. Saltei do ônibus e segui em direção a faculdade. A primeira aula já tinha começado. Entrei e me senti fuzilado com todos me olhando. Depois de cumprimentar alguns amigos percebi que não conseguia me concentrar em nada que o professor dizia. Só conseguia prestar atenção nas pequenas conversas paralelas e tentava decifrar o que falavam para saber se não era nada relacionado a mim. Aquilo foi aumentando e eu não consegui mais me segurar. Juntei as minhas coisas e sai da sala completamente atordoado. Dessa vez dei sorte e meu ônibus foi o primeiro a passar. Enquanto há meia hora atrás dava gargalhadas, agora estava aos prantos me sentindo totalmente dominado por tudo aquilo. Eu não aceitava aquela situação e quanto mais tentava assumir o controle de tudo menos controle tinha sobre o que estava acontencendo. Cheguei no apartamento ainda antes do almoço e resolvi tomar um banho pra tentar relaxar. Me lembro da minha vista escurecer e de não conseguir entender muito bem porque a torneira continuava girando sem parar (na verdade ela tava espanada, mas pra mim aquilo era alguma coisa da minha cabeça). Não sabia mais o que fazer. Morava sozinho e não queria deixar minha mãe preocupada com aquilo, até porque ela levaria mais de 6 horas pra chegar em São Paulo e sinceramente eu não me considerava ter sido um bom filho até aquele momento pra merecer tanta atenção.

Resolvi continuar a estória que começara no dia anterior mas desta vez sob um prisma mais positivo. Tinha que de alguma forma reconciliar os personagens pra que o livro começasse de vez.

-- Alô, Ca? Sou eu.

-- Pode falar..

-- Realmente tudo o que a gente tá passando tem me feito muito mal e eu não posso mais continuar assim. Preciso muito de você nesse momento e você nem imagina o quanto. É uma coisa que vai muito além de gostar ou querer ter pra si.

-- Tá acontecendo alguma coisa? Tô ficando preocupada. Pra mim a gente nunca esteve prestes a terminar, só tava numa fase um pouco mais nebulosa e nada mais.

-- Nossa Ca, você não imagina como é bom ouvir isso. Parece que tirei um caminhão das minhas costas.

-- O senhor exagerado! Amanhã a gente se vê! Beijo!

-- Beijo.

Um pouco simplista demais talvez, mas foi o máximo que consegui produzir. A minha ansiedade pra resolver tudo contribuiu e contagiado pela atmosfera do texto resolvi ligar pra Flá.

-- Alô, Flá? Sou eu .

-- Pode falar..

-- Realmente tudo o que a gente tá passando tem me feito muito mal e eu não posso mais continuar assim. Preciso muito de você nesse momento e você nem imagina o quanto. É uma coisa que vai muito além de gostar ou querer ter pra si.

-- Sinceramente acho que não tem mais clima pra gente ficar junto. Queria ter dito isso a você quando fui aí, mas não consegui. A gente vive momentos muito diferentes e eu acabei conhecendo uma pessoa muito especial. Enfim, não quero falar muito disso pra não te magoar mais.

-- Nossa Flá, você não imagina como é ruim ouvir isso. Parece que o mundo tá caindo nas minhas costas e eu esperava que você me ajudasse a tirar tudo de cima, mas pelo contrário, você acaba de jogar mais coisas em cima de mim..

-- Me desculpa! Por favor!

Desliguei o telefone e tive todas as sensações de perda ao mesmo tempo: dor, inconformismo, raiva, angústia. Tinha feito o máximo pra conseguir manter tudo como estava. Me concentrei e lutei contra meu estado psíquico pra ter aquela conversa mas de nada adiantou. Desconsolado, andando de um lado para o outro conclui que a estória da minha vida não seria escrita só por mim, mas sim, no mínimo a quatro mãos.

Comentários

Malu disse…
"Abençoados os corações flexíveis,
pois nunca serão partidos"? Mas, eu penso comigo mesmo... Se não se partiram, não se curam. E se não houver cura, não ha aprendizado. E se não houver aprendizado, não há luta. Mas a luta é uma parte da vida. Então todos os corações precisam ser partidos?"
- "ONE TREE HILL"

Muito bom, Léo! Muito bom mesmo! Detalhe: Tô começando a me identificar com ele... rs

Feliz Novo Ano!!