Capítulo III

Meu mundo agora se dividia em duas vertentes: dentro de casa, triste e depressivo, fora dela, em pânico e com medo. Eu sabia que precisava de ajuda mas depois de tudo o que aconteceu com a Flá estava totalmente descrente que alguém pudesse me fazer enxergar alguma saída para aquilo tudo. Era manhã de terça feira e infelizmente os últimos comprimidos que eu tomava pra dormir tinham acabado e agora não tinha mais jeito, eu ia ter que fazer o que mais odiava nos últimos dias: sair de casa. Desci pela escada pra não correr nenhum risco de encontrar algum “quase estranho” no elevador (já que todos que moram no mesmo prédio nunca são estranhos por completo, ou fingem não ser). Fazia muito sol e a rua estava bastante movimentada. Ter que redobrar minha atenção pra atravessar a avenida não foi difícil já que me preocupar com tudo ao meu redor era o que eu mais tinha feito naqueles últimos dias. Poucos metros antes de chegar a farmácia fui surpreendido por uma mulher que aparentava ter uns 30 anos, cabelo bem preto, um envelope na mão e um vestido verde que me chamou bastante atenção.

-- Oi. Você pode me dar uma informação?

Ela ignorou a minha cara de assustado, provavelmente por julgar isso natural naquela situação, e continuou.

-- Estou procurando o tribunal de justiça. Acabei de descer do ônibus e sei que deve ficar aqui perto.

Por sorte ficava bem ao lado do meu prédio e eu até sabia o número.

-- Fica descendo aquela rua. É número 1937.

-- Ahh. Isso mesmo que eu tenho anotado aqui. Dezenove, três sete. Muito obrigado, prazer Júlia!

Fiz um sinal de positivo com a cabeça e segui em frente. Fiquei imaginando o que tinha dentro daquele envelope. Só esperava que não fosse nada escrito a próprio punho pois depois dela se despedir com um “obrigado” e não “obrigada” fiquei com medo de que ela tivesse de refazer o documento por causa de algum erro gramatical. O mau humor já estava me dominando e só não foi maior pelo fato do farmacêutico não pedir uma receita pra me vender o remédio (nem me lembrava onde estava a última). Na hora de pagar, enquanto o atendente contava o dinheiro, fiquei tentando decifrar o seu olhar de estranheza pra mim. Concluí que devia ter sido por causa do número de moedas (na verdade o olhar poderia nem ter existido e se existiu não foi por esse motivo). Voltei pro apartamento e minha cabeça parecia pesar o dobro do meu corpo. Só me lembro de ter deitado na cama, ouvido um zunido muito forte e ter a sensação de que morreria por causa de um aneurisma ou algo do tipo. Três horas depois, acordei e já não lembrava muito bem do que tinha acontecido pouco tempo antes quando eu tinha saído pra ir a farmácia. Vivia em um mundo paralelo onde o tempo não regia o meu dia. Podia dormir a hora que quisesse, comer a hora que quisesse ou assistir tv a hora que quisesse, porém não tinha vontade de fazer qualquer uma dessas coisas. No meu ap não batia muito sol e normalmente eu tinha que sempre acender as luzes, mesmo de dia. Mas naquele dia isso contava a favor e quanto mais escuro melhor eu me sentia. Não fazia idéia das horas. Enquanto meu olhar vagava pelo quarto enxerguei metade de uma folha de caderno que tinha usado pra escrever o último diálogo da estória. Reagi da mesma forma que reagia a qualquer outra coisa: com indiferença. Não queria mais escrever livro algum,  não tinha motivo e muito menos motivação pra continuar com aquilo. Meus olhos se encheram de lágrimas quando percebi que não tinha mais perspectiva de nada. Foi nesse instante que o telefone tocou.

-- Boa tarde, aqui quem fala é Júlia da central de departamento de marketing..

Antes que ela terminasse me lembrei vagamente de ter conversado com alguma Júlia umas horas atrás

-- Júlia! A gente se conheceu há pouco tempo aqui na rua, perto de casa.

-- Olha Senhor, deve estar havendo algum engano.

-- Não precisa me chamar de Senhor horas..

-- O seu telefone é 3232-1937?

Quando ela disse dezenove três sete tudo ficou muito claro pra mim. Era a mulher que eu tinha encontrado na rua mesmo e eu havia dado meu telefone pra ela.

-- Isso mesmo! 1937.. O número que eu te dei quando a gente se encontrou na rua.

Ela desligou e nos minutos seguintes eu fiquei tentando juntar todas as peças que não se encaixavam. Sim, eu tinha conhecido alguém com o nome de Júlia algum tempo antes, mas porque teria dado meu telefone pra ela? Me lembro exatamente de ter dito aquele número. “Era o envelope! Só podia ser! Ela queria me entregar o envelope! Não, não era, senão ela teria feito isso naquela mesma hora”. É fato que os profissionais de telemarketing tem ordens expressas para desligar o telefone quando alguma pessoa começa a tentar conversar sobre assuntos que não são de seus interesses. Eu mesmo já tinha feito muito isso. Quando recebia alguma ligação indesejada começa a perguntar sobre o tempo, se estava muito quente, quais eram os planos pro fim de semana, e invariavelmente a ligação era interrompida. Mas enfim, por muito tempo aquele fato foi um grande mistério pra mim e eu cheguei até a pensar que fosse algum tipo de trote ou que eu tava recebendo o troco por todo o tempo que eles perderam ligando pra mim anteriormente. A verdade é que eu tinha atingido o meu auge esquizofrênico e dali pra frente a tendência eram as coisas começarem a voltar ao normal.

Comentários

Anônimo disse…
E esa Júlia agora? Quem é ela, moço? Aih, tô começando a sentir por ele...

Léo, tu escreves muito bem! Nada a ver aquilo que tu pôs no profile do orkut, viu? :)
Anônimo disse…
Ops... essa*