Livro - Sobre viver

 


Enquanto o mundo lá fora girava, Cláudio revia a posição de ter colocado sua relação com Carol como seu “outro mundo”. Este agora parecia parar. Ninguém reparava ou parava pra pensar no quanto aquilo era importante pra ele. Nem mesmo Carol tinha a noção exata daquilo tudo. Diante de todas as circunstâncias e como única forma de levar a relação adiante, um novo encontro tornou-se inevitável. Meia hora mais tarde os dois se encontraram e sentaram no primeiro banco que apareceu para ter o que parecia ser uma última conversa. Cláudio sabia ser previamente visível o que estava pra acontecer e por isso esperou Carol se manifestar.

-- Tudo que aconteceu não foi de propósito, ou pelo menos com o propósito de te magoar.
-- Como?
-- Isso mesmo! Não tive intenção de te machucar.
-- Mas as suas intenções com aquela pessoa me machucaram. Portanto, mesmo indiretamente você teve intenção sim.
-- Você nunca vai entender Cláudio.. Você não consegue separar as coisas. Se primeiro tentasse me entender, talvez agora conseguisse perceber que não havia má intenção.
-- Talvez você tenha razão. Mal intencionado sou eu por querer manter uma relação com você

O tom irônico de Cláudio fez diminuir o ritmo da conversa. Aqueles períodos de silêncio o fizeram relembrar que Carol dificilmente demonstrava suas emoções. Por isso, duvidava daquela cena e se questionava se as lágrimas dela não estavam apenas caindo em contradição. Isso tudo deixou Cláudio muito confuso. Mesmo vendo seu coração partido ele esperava reparti-lo com Carol. Mas o que era pra ser dividido, foi partido novamente e o que aconteceria dali pra frente dependia diretamente da recomposição de tudo que havia se espalhado ente os dois.

Carol nunca foi de colocar seus sentimentos em um plano superior. Talvez seu maior plano tenha sido sempre se colocar a frente de tudo. Isso causava uma lacuna enorme entre ela e Cláudio. O que para ela se traduzia como “amor próprio”, para ele se deduzia como “falta de atenção”. Diante das circunstâncias e como única forma de adiantar o que estava por vir, um novo encontro tornou-se inevitável. Carol se arrumou e mais ou menos uma hora depois os dois se sentaram no primeiro banco que apareceu para ter o que parecia ser uma última conversa. Para Carol era previamente imprevisível saber o que iria acontecer. Essa angustia fez com que ela tomasse logo as palavras.

-- Tudo que aconteceu não foi de propósito, ou pelo menos com o propósito de te magoar.
-- Como?
-- Isso mesmo! Não tive intenção de te machucar.
-- Mas as suas intenções com aquela pessoa me machucaram. Portanto, mesmo indiretamente você teve intenção sim.
-- Você nunca vai entender Cláudio.. Você não consegue separar as coisas. Se primeiro tentasse me entender, talvez agora conseguisse perceber que não havia má intenção.
-- Talvez você tenha razão. Mal intencionado sou eu por querer manter uma relação com você.

O tom irônico de Cláudio fez diminuir o ritmo da conversa. Aquele sentimento de amor e ódio que ele demonstrava provocou em Carol uma sensação atípica. As lágrimas que escorriam de seu rosto pareciam correr de encontro ao peito de Cláudio. Ela queria mas não conseguia dizer mais nada. Se o fato de sentir aquelas emoções já era inesperado; explicá-las tornou-se inimaginável. Em meio a tudo isso, Carol decidiu rever sua posição de sempre se colocar a frente de tudo e o que aconteceria dali pra frente dependia diretamente da repercussão que isso teria entre os dois.

Dois meses se passaram desde o último encontro. Cláudio tentava conciliar seu trabalho como publicitário com seu desejo de se reconciliar com Carol. Apesar da traição, desistir dela seria como trair a si próprio; abrindo mão do que sentia. Por outro lado e do outro lado da “cidade maravilhosa", Carol se apressava pra entregar os últimos trabalhos da faculdade de jornalismo. Por tudo o que passaram, não passava pela sua cabeça colocar um ponto final na relação. Porém tomar a iniciativa para começar um novo parágrafo parecia estar longe de suas pretensões. Pra ela, todo o fato que causou a briga havia acontecido por acaso e caso Cláudio já tivesse superado, eles podiam marcar um novo encontro. Incerto do que iria acontecer, Cláudio se dirigiu ao telefone. Todos os conselhos de parentes e amigos pareciam pressionar sua consciência e o aparelho de volta ao gancho. Impressionado com sua decisão, e mesmo que por impulso, ele ligou.

-- Alô?
-- Carol? Sou eu...
Os dez segundos seguintes de silêncio foram suficientes pra que os dois se lembrassem de todos os dez meses que passaram juntos.
-- Diga Cláudio.. Já estou atrasada pra aula.
-- Preciso te ver! Sei que ainda há algumas coisas mal resolvidas entre a gente. Não adianta, por mais que você queira evitar, o mundo vai girando, girando e uma hora ele pára no mesmo lugar.
-- Não acho que seja assim. Pra mim há algumas coisas mal resolvidas com nós mesmos. Mesmo assim acho que será bom conversarmos. Amanhã às 21 está bom?
-- Combinado!
-- Até lá.

A atitude fria de Carol deixou Cláudio apreensivo. Apesar dos dois parecerem sentir a mesma coisa, eles transpareciam isso de formas diferentes. Ele, sempre centrado, analisava as situações e sem esperar nada em troca tendia sempre a se trocar por quem gostava. Apesar de ter uma visão de cima, nunca se colocava acima de ninguém. Ela, ultimamente menos egoísta. Estava certa que todo aquele seu ego excessivo era justamente o que faltava à Cláudio. Ironicamente, a única forma da relação seguir adiante, consistia no fato de Carol gostar um pouco menos de si e mais de Cláudio e ele gostar um pouco menos de Carol e mais de si. O mais importante naquele momento era cada um “se encontrar” antes de “se encontrarem”. Porém, o tempo não parecia ajudar e a partir daquele instante cada hora a mais era uma a menos pro novo encontro acontecer.

20:15: Cláudio já está pronto há uma hora enquanto Carol se apressa em se aprontar. Acabou perdendo a hora. Decidiram ir ao Lord Jim, um pub muito frequentado em Ipanema. Nesse caso o local do encontro estava em segundo plano, ou serviria apenas como pano de fundo para a conversa. Mesmo estando juntos há quase um ano, seria difícil separar o que passou do que passaria a acontecer depois daquela noite. O momento era decisivo. Como se fosse o “ponto da partida”, que nesse caso poderia servir como um novo “ponto de partida” para os dois. 20:45: Ansioso, Cláudio já não aguentava mais ver a hora não passar. Agora, não vê a hora de chegar ao flat de Carol. 21:00: Receosa, Carol decide que não vai mais ao local combinado. Enquanto espera na varanda, cultiva a esperança de que Cláudio entenda e não pretenda desistir do encontro por isso. Ele chega. Ela explica que um local público não combinaria com uma conversa tão particular. Apesar de achar o motivo irrelevante Cláudio releva e os dois entram no flat.

-- Então Cláudio. Como te falei, tem algumas coisas mal resolvidas com nós mesmos. Por isso resolví mudar. Ou pelo menos tentar. No meu caso, e você sabe disso, só o fato de tentar já significa uma mudança.
-- Claro! Até porque isso está diretamente relacionado a nós e não só a você. Não sei, mas as vezes acho que as coisas são tão confusas pra mim e tão claras pra você. E que não gostamos um do outro com a mesma intensidade.
-- Acho que não é assim. Pra mim a melhor forma de entender o outro é não tomar a si mesmo como base. Aceitar as diferenças. Pode não parecer, mas talvez eu goste até mais de você do que você de mim. Só que do meu jeito. No nosso caso o mais importante é você gostar mais de si.
-- Não tinha pensado por esse lado. Acho que isso separa o “gostar” do “sofrer por gostar”. E eu não gosto de sofrer!
-- Então não sofra! Eu não queria que nós tivéssemos passado por essa crise, mas querendo ou não agora a gente se conhece melhor...
-- Exatamente! Em todos os sentidos. E que daqui pra frente não haja mais sentido nos separar!

Naquele momento tudo conspirava a favor. Os receios viraram anseios. Os olhos, olhares. Os braços, abraços. As bocas, o beijo. Estava marcado o recomeço de uma estória que acabou de começar.

Depois das reviravoltas dos últimos tempos, qualquer dia parecia comum (como um dia qualquer). Recordar tudo que havia acontecido era inevitável. Cláudio sabia que o problema não era viver lembrando os momentos vividos, e sim, viver apenas para lembrar dos momentos vividos. Depois da tempestade que criaram e passaram juntos, a ordem agora era cultivar e não passar pela calmaria que atravessavam. Esta que acabou se estendendo também ao trabalho de Cláudio. Para ele, ficar sem fazer nada no serviço era tão “chato” quanto ter de fazer alguma coisa nas férias. O dia continuava descontínuo até ele ser chamado na sala de seu chefe; Roberto.

-- Cláudio. Vou ser bem direto com você. Como recompensa pelos seus últimos trabalhos, decidimos te dar a chance de fazer um estágio por 3 meses na CE9, a maior agência de publicidade de Paris. Pretendemos que você parta antes do natal. Já estamos em dezembro, por isso preciso da resposta em até duas semanas.. Bom; estou atrasado pra uma reunião. Pense bem hein!

Realmente Roberto havia sido muito direto. Indiretamente, Cláudio se mostrava surpreso e feliz ao mesmo tempo. Se pudesse, talvez ele decidisse receber essa proposta um pouco depois. Mas o fato era que Roberto aguardava uma decisão o quanto quanto antes. Da tempestade que passara com Carol, só lhe sobrou um copo d’água em cima da mesa e uma nova decisão a tomar. Com o desejo de “fazer a coisa certa”, ele não conseguia fazer outra coisa além de pensar: “E agora, o que eu faço?”.

12 de dezembro de 2006. Depois de tudo que passou, agora Carol não conseguia pensar em mais nada além do seu baile de formatura. Não saía da sua cabeça como aqueles quatro anos já tinham chegado ao final, afinal ela ainda se lembrava do primeiro dia de aula. Segundo seu pai, Paulo, na vida, quanto mais dividimos momentos especiais com outras pessoas, mais eles tendem a se multiplicar em nossas lembranças. Essa era uma frase que voltava a sua cabeça sempre que sua vida dava um passo adiante. Já passava das dez e de uma dezena as vezes que Carol havia experimentado seu vestido de formatura. Só o toque do telefone foi capaz de impedir mais uma troca de roupa.

-- Alô?
-- Carol! Sou eu...
-- Pai!!! Tava pensando em você agora!
-- Ah, que bom filha! Eu penso em você toda hora... Sei que é um pouco tarde pra gente conversar, mas queria que você fosse pensando em uma coisa.
-- Diga. O que é?
-- Estive conversando com sua mãe e decidimos te dar de presente de formatura aquela viagem pra Itália que você sempre quis!
-- Não acredito!! Eu não podia querer outra coisa!
-- Pois bem, agora é só você se programar.
-- Muito obrigada Pai. Você são tudo pra mim! Beijo!
-- Outro, até logo.

Em um primeiro momento, Carol se pôs em primeiro plano e só conseguiu imaginar como seria sua viagem. Em um segundo momento, ela se pôs em segundo plano e começou a imaginar qual seria o impacto disso em sua relação. Pensar dessa forma parecia ser mais coerente naquele momento. O baile de formatura estava chegando, e com ele a chance dela dizer a Cláudio sobre sua possível partida.

O baile estava pra começar. Passava das 20:30 e Carol já havia terminado e recomeçado a se arrumar mais de cinco vezes. Ela estava ansiosa e insegura, assim como Cláudio sempre foi. E ele teimava em não aparecer. Tudo dava a entender que ele estivesse muito tranquilo e seguro, assim como ela sempre foi. A cena era trágica e cômica ao mesmo tempo. Como em uma peça de teatro onde os personagens tem seus papéis invertidos. 21:00: finalmente Cláudio chega (de taxi). Meio hora atrasado e muito nervoso, mal conseguia dizer que seu carro havia quebrado. Carol deu um leve sorriso e pensou: “é, nada de papéis invertidos, na nossa estória, Cláudio continua cumprindo o seu papel como sempre”. Mais 20 minutos e os dois já estavam dentro do salão. Depois do “quase” desencontro, Cláudio finalmente pôde parar e reparar no quanto Carol estava linda. Era difícil encontrar palavras que significassem algo além de deslumbrante pra ele. Realmente ficou deslumbrado com o que viu. Após os dois se sentarem, Cláudio viu o momento perfeito para levantar a questão mais importante da noite.

-- Recebí uma proposta no trabalho pra passar 3 meses em Paris fazendo um estágio na CE9, uma das melhores agências da Europa.
-- Nossa Cláudio! Não sei o que dizer! Ao mesmo tempo que será ótimo pra você, também pode ser péssimo pra nós dois.
-- Nisso que eu não paro de pensar. Seria uma espécie de “férias a trabalho” pra mim. Mas só consigo pensar em nós dois e no que aconteceria quando eu voltasse. Talvez seja melhor eu...
-- Eu vou com você!
-- Hãm?!
-- Isso mesmo Cláudio. Acabei de me formar e meu pai me prometeu uma viagem de presente. Eu vou com você!

Claro que a idéia de viajar para Carol continuou a mesma, porém os planos e os rumos agora eram outros. Ela percebeu que Cláudio ainda não havia conseguido mudar. Se dissesse a ele que pretendia ir para outro lugar era capaz de duas prováveis viagens se transformarem em uma dupla frustração, pois ele “abriria mão” de ir para a França, mas não “abriria mão” que ela não fosse para Itália e isso deixaria evidente que ele continuava o mesmo. Sem que ele soubesse, essa atitude demonstrava o quanto Carol estava conseguindo não se colocar sempre a frente das situações.
Já passava das 6 da manhã. O salão vazio parecia se encher com as esperanças e sonhos do casal. Aquela dança que começava, simbolizava bem a forma como nos últimos meses a relação havia balançado de um lado para o outro. As estrelas projetadas no chão voltaram a girar a medida que eles começaram a rodar. Naquele instante o mundo parou ao redor dos dois. Era como se dalí pra frente tudo e todos estivessem a espera do casal.

O dia da viagem finalmente havia chegado. Com a partida, além do Brasil, Cláudio e Carol esperavam deixar para trás todos os maus momentos que haviam compartilhado nos últimos tempos. Uma vida nova os esperava. Sabendo disso, os dois já não aguentavam mais esperar para mudar de vida. Paris era uma cidade tão bonita quanto desconhecida para eles. O rio senna, o museu do louvre, o arco do triunfo e a torre eiffel representavam uma nova realidade capaz de realizar antigos sonhos de cada um deles. Nada era capaz de desanimá-los. A enorme fila do check-in tornava-se pequena se comparada a ansiedade dos últimos dias por aquele momento. A mudança do portão de embarque não mudava neles a vontade de embarcar. E finalmente o atraso do vôo apenas lhes dava a chance de não precisarem se apressar.
Após a partida do avião uma parte de suas vidas ficava para trás, enquanto outra iria ser construída com o que viria pela frente. Naquele 23 de dezembro de 2006, vésperas do natal, a cidade luz estaria ainda mais iluminada. Paris era o destino perfeito pra serem feitas mudanças que pudessem preservar o destino da relação.

01 de outubro de 2006. Dois anos se passaram desde que Ana decidiu trocar o Rio por Paris. Pessoalmente, o que ela tentava mudar, era justamente o fato de não ter problemas com as mudanças. Trocar de país, emprego e amigos faziam parte do seu plano que partia do princípio de que as mudanças são importantes pra que sejam mantidos os mesmos objetivos. Ironicamente, o mesmo motivo que a trouxe até Paris há dois anos, parecia ser o mais relevante e que a levava a pensar em voltar ao Rio. Ela precisava buscar novos desafios. O que mais a incomodava não era tudo que havia deixado no Brasil, mas sim em tudo que ela haveria de deixar se não voltasse o quanto antes. A decisão era quase certa. Por outro lado, ela nunca conseguira aplicar toda essa determinação aos seus sentimentos. Isso sempre foi determinante para que suas relações não passassem de um tempo determinado: 2 anos. Este era justamente seu tempo de namoro com Luís. Eles se conheceram logo após sua chegada a Paris. Teria sido seu primeiro “amor à primeira vista” caso ela não tivesse um segundo ponto de vista em relação a isso. Por ter se magoado muito no passado ela enxergava suas paixões sempre nesta sequência: despertada, dispersada e dispensada. Se depois disso ainda restasse alguma coisa, ela não pensava duas vezes e se entregava a relação. Apostar todas as fichas no começo ou entregar todos os pontos antes do fim definitivo do relacionamento não combinavam com ela. Seus amores eram sempre “vividos” e nunca “jogados”. Ultimamente seu envolvimento com Luís não à envolvia por completo. A rotina dos últimos acontecimentos iam de encontro a sua constante idéia de mudanças. Continuar com Luís era como esperar ansiosamente por tudo que ela já havia passado.

Luís atravessava a melhor fase de sua vida. Seu intuito era seguir nesse bom momento e ao mesmo tempo conseguir para e repensar no quanto foi difícil chegar até ali. Ele estava vivendo as consequências de uma sequência de acontecimentos que marcaram seus 5 anos em Paris. O fato de deixar o Brasil não o deixava mais triste naquele momento. Finalmente ele conseguira equilibrar seus lados profissional e pessoal. Sua estabilidade no emprego estava diretamente relacionada a esta habilidade de conciliar esses dois lados. Na fase em que conheceu Ana, sua vida ainda tomava rumos desconhecidos. Curiosamente, todas aquelas incertezas, angustias e mudanças eram justamente o que mantinham a relação para ela. Para ele, era insustentável viver diante de todas aquelas indefinições. Sem que ele soubesse, tudo que ele via como perfeito para si, não tinha nada a ver com o que Ana havia feito até agora. Ela sempre buscou o novo, o desconhecido, o que lhe surpreendesse. Enquanto ele procurava preservar o velho e conhecido costume de se acomodar e não querer se incomodar com as surpresas. Claro que para preservar 2 anos de relacionamento, eles tinham muitas idéias em comum, mas não tinham noção do quanto seus ideais eram diferentes. O fato dele atingir seus objetivos atingia diretamente os objetivos de Ana. De uma forma subjetiva a relação se sustentou para ela até esse momento. Enquanto ele via esta fase como uma exclamação para tudo que passou; para ela, chegar a esse ponto originou um ponto de interrogação no namoro.

Em uma noite comum (como outra qualquer) Luís e Ana jantavam no restaurante La Tour D’Argent e tinham o privilégio de ter ao fundo o rio Senna (como nenhum outro sequer).

-- Tenho muitos planos pra gente Ana! Parece que agora tudo está no caminho certo. Vejo que nesses dois anos que estamos juntos conseguimos juntar todas as peças de nossas vidas que não se encaixavam. Daqui pra frente quero construir uma vida com você. Por isso preciso te pedir. Ana, se casa comigo?
Naquele momento ela ficou chocada. Transpirava na mesma intensidade em que respirava. Desamparado, seu coração disparou. Batia em ritmos desorientados. Para se orientar e seguir em frente a melhor saída foi colocar a razão a frente de qualquer coisa.
-- Preciso pensar! Não esperava por isso agora, mas isso não quer dizer que eu nunca esperei viver esse momento. Minha mãe chega daqui há duas semanas. Conversar com ela com certeza me ajudará a tomar a decisão.

O pedido de casamento deixou claro o quanto os dois atravessavam momentos diferentes. A proposta de Luís ia na “contramão” dos propósitos de Ana. Por outro lado, ela sabia que Luís sempre estivera ao seu lado desde que chegou a Paris. Voltar ao Brasil agora implicava em se voltar apenas para si, perdendo tudo que havia sido construído até agora.
A chegada de sua mãe seria fundamental para Ana. A pretensão em discutir a sua volta virou pretexto para posteriormente contar a ela qual era a intenção de Luís. Uma questão estava ligada a outra. O pedido de casamento não impedia uma possível despedida, mas tornava as coisas um pouco mais difíceis. Em contrapartida, se sua resposta fosse “sim” ela poderia compartilhar com Luís uma vida totalmente diferente daquela que viveram até agora.

Os dias passavam rápido demais para quem tinha a intenção de adiar ao máximo uma decisão. Ana vivia o segundo dilema de sua vida. O primeiro foi ter de optar entre continuar a faculdade no Brasil ou abandoná-la na metade para se dedicar por inteiro a um desejo que completaria sua vida. Nesta primeira ocasião Ana escolheu a segunda opção e mudou-se para Paris. Na ocasião atual, uma saída era não sair de Paris e a outra era voltar ao Brasil e sair definitivamente da vida de Luís. A chegada de sua mãe significava para Ana um possível aumento nas possibilidades de resolução do problema. Impaciente por ter guardado um segredo por todo o tempo em que aguardava sua mãe, Ana não conseguiu esperar e ainda entre um abraço e algumas lágrimas desabafou.

-- Não sei mais se quero continuar aqui mãe. Não tenho mais sequer vontade de trabalhar ou fazer qualquer outra coisa.
-- Minha filha! Você sabe que desde que saiu de casa nós sempre esperamos de braços abertos pela sua volta. Está tudo como você deixou. A única coisa que muda e que não nos deixa é a saudade que sentimos de você.
-- Eu também sinto!
-- Mas e o Luís? Ele sabe da sua pretensão?
-- Esse é o problema e ao mesmo tempo uma possível solução. O Luís me pediu em casamento e se eu aceitar vou ter que continuar aqui..
-- Que surpresa boa Ana! Das outras vezes em que estive aqui sempre tive uma ótima impressão dele. Aquela busca incessante em conseguir se estabilizar profissionalmente sempre foi um bom indício de que ele te daria um ótimo futuro. Mas existem outros pontos. Precisamos ter uma conversa a três.
-- Mãe! Queria que você me aconselhasse o que fazer e não que fizesse nada por mim!
-- E eu não vou fazer. Mas antes de conversarmos quero sentir se as intenções dele são as mesmas que seu pai tinha quando me pediu em casamento.
-- Ai meu Deus!

A mãe de Ana parecia se transformar quando o assunto era casamento. Pelo fato de ter se casado há mais de trinta anos e o seu amor pelo marido ser inversamente proporcional a todo esse tempo, Joana via aquela situação como uma grande oportunidade de sua filha garantir o seu futuro.

Dentre todas as suas angustias, a maior delas para Ana era estar entre Luís e Joana para ter a tão aguardada conversa. Todas as desculpas que Ana encontrou para ocupar o tempo de sua mãe se esgotaram. O mês de dezembro já estava na metade e faltavam poucos dias para que Joana voltasse ao Brasil. Havia chegado o momento mais aguardado para ela e menos aguardado para sua filha. Luís nem imaginava o que estava pra acontecer. Aproveitando o fato de todos estarem pela primeira vez reunidos no café de domingo, Joana não pensou duas vezes e iniciou a conversa:

-- Pois bem Luís. Ana me disse sobre suas intenções com ela. O que eu quero saber é o que você pretende daqui pra frente. Continuar aqui para o resto da vida, voltar ao Brasil, construir uma família...
-- Nossa Joana! Eu pretendo me casar com ela e manter tudo exatamente como está. Claro que se quero me casar é porque acho que Ana é a mulher da minha vida e eu não me imagino vivendo sem ela.
-- E você Ana?! Diga alguma coisa!
-- Eu não sei mãe. O Luís sabe que eu gosto muito dele, mas ...
-- E quanto a voltar ao Brasil? – Joana indagou
-- Voltar ao Brasil? Você não me disse isso Ana!
-- Pois é. Ia te dizer antes de você me pedir em casamento. Agora parece que a decisão de ir acaba deixando implícito que eu não quero ficar com você. Eu não sei se posso ou quero fazer isso. Esse pedido colocou tudo em uma dimensão muito maior.
-- Olha Ana, se você rejeitar o pedido será...
-- Você não vai fazer isso não é filha?!
-- Só um minuto dona Joana. Então, se você rejeitar, vou entender a sua resposta negativa também como um “não” para a nossa relação. Portanto, pense bem.

Nada aconteceu como Ana planejava. A idéia de “dar as mãos” a sua mãe e se apoiar nela para escolher o melhor caminho havia falhado. Agora estava tudo em suas mãos. Luís esperava uma decisão. Joana se desesperava com a indecisão de Ana. Enquanto ela se via em uma situação completamente diferente e inesperada naquele instante.

23 de dezembro de 2006. Joana, Ana e Luís chegavam no aeroporto. O clima entre os três era tenso, exatamente o oposto ao que a cidade atravessava. Ana quase não se lembrava que era véspera de natal. Toda aquela situação havia lhe dessituado do resto. O tempo passava e não transformava seus problemas “em passado”, pelo contrário, quanto mais ela adiava a decisão, mais presente era o incômodo. Nos últimos dias ela refletiu sobre os conselhos de sua mãe. Começou a ficar nítida a imagem de seu futuro com Luís. Mesmo sem sentir o mesmo ela tendia a dizer “sim” e mais interessada começava a enxergar o pedido como uma proposta.
Já passava das dez e depois de uma despedida com alguns abraços apertados e distantes, Ana e Luís se dirigiam a saída do aeroporto. Seus olhares perdidos deixavam evidente que eles não tinham nada mais a perder. Foi nesse momento e em um “piscar de olhos” que Ana avistou Carol.

-- Carol!!!!
Aquele grito pareceu despertar nela e em todos que estavam perto toda a prosperidade que o natal proporciona.
-- Eu não acredito Ana!!! Desde que você saiu da faculdade que nós não nos falamos mais. Nem me lembrava mais que você tinha vindo pra cá. Que surpresa ótima!
-- Pois é, parece que agora eu faço parte daqui. Mas o que te trouxe?
-- O Cláudio, meu namorado, vai passar um tempo trabalhando aqui. Eu vim acompanhá-lo.
-- Então vocês vão ficar com a gente!

Luís parecia preocupado com o convite de Ana. Cláudio estava impressionado com a coincidência. Para ele, Paris tornara-se surpreendente antes mesmo que ele a conhecesse. Ana e Carol não se continham de alegria. Sempre foram muito amigas até Ana deixar a faculdade no segundo ano. Esse reencontro dava a Ana a chance de prorrogar a decisão e esta foi sua intenção ao convidar Cláudio e Carol para se hospedarem no seu apartamento. O fato do destino dos casais se tocarem dava a eles a chance de trocarem muitas experiências juntas dali pra frente.

A primeira semana em Paris para Carol e Cláudio foi marcada de novidades. Descobrir cada pedaço da cidade, desde as suas pequenas ruas até os grandes pontos turísticos, fazia Carol ter certeza de que estava coberta de razão ao decidir o destino da viagem. Cláudio costumava sempre perder as palavras ao passar por algum monumento. Tentar não perdê-lo de vista pelo maior tempo possível era o que lhe restava, e o que ele fazia. Todo o clima de romance que cercava a cidade era perfeito e isso sem dúvida fez surtir um efeito positivo na relação.
Luís vivia um momento oposto ao que Cláudio e Carol passavam. A inesperada entrada deles em sua vida fez com que seu maior plano com Ana, como que por imposição, fosse posto em segundo plano. Isso fez dele ultimamente uma pessoa sempre mau humorada ou com o humor bem sem graça. Já Ana era o oposto. Depois que Carol chegou tudo parecia ter se revigorado; o ambiente e as situações que a cercavam ainda eram os mesmos, porém agora vistos de uma forma diferente por ela.
Aquela noite era muito especial. Passar a virada de ano as margens do rio Senna era inimaginável para Cláudio e Carol até dois meses atrás. Enquanto eles decidiram alugar um pequeno barco (a remo) e assistir aos fogos “navegando” pelo rio, Luís e Ana ficaram as margens acompanhando a festa.

-- 5...4...3...2...1
-- Feliz Ano novo Cláudio! Tenho certeza que esse ano será um dos melhores de nossas vidas!
-- Pra você também linda! Ter você por perto sempre me deixa perto de esquecer o quanto estou longe de tantas pessoas que gosto.

Algumas cenas aparentemente insignificantes para a maioria das pessoas presentes aparentava ter um significado especial para eles. As cores e o estouro dos fogos, atípicos naquela noite, davam mais vida ao céu da cidade. Da mesma forma, a certeza de ter um ao outro plenamente, sensação atípica para os dois, dava mais cores e vibração a vida de cada um deles. Não ter hora pra dormir e nem ter que se preocupar com o dia seguinte era um sinal de que aquele beijo e aquele momento durariam para sempre.

Depois de duas semanas na cidade luz, Cláudio e Carol já se sentiam bem mais avontade e muito ansiosos para satisfazerem todas as suas vontades na cidade. Enquanto Cláudio trabalhava, Carol costumava caminhar pelas ruas que cercavam o prédio de Ana. Ela sempre buscou ter uma certa independência e independente de qualquer coisa tentava aproveitar ao máximo cada momento. Porém, todo aquele tempo que ela passava sozinha e que eram para ser únicos, se multiplicavam, perdendo assim todo o seu valor. Para passar um pouco mais de tempo com Carol, Cláudio conseguiu negociar sua entrada mais cedo no estágio, fazendo assim com que seu tempo longe dela passasse um pouco mais rápido. A partir da segunda seguinte ele começaria a trabalhar no período da manhã e não mais a tarde como antes.
O fim de semana finalmente havia chegado e com ele a possibilidade dos dois continuarem o turismo pela cidade. Desta vez o local escolhido foi a torre Eiffel, a mesma que Ana já havia visitado diversas vezes (esse foi o motivo alegado por Luís para não participar do passeio). Ela via a torre com os mesmos olhos de sempre, porém os olhares fascinados de Cláudio e Carol a fizeram enxergar desta vez, tudo de uma forma um pouco diferente.

-- Podemos subir de escada ou elevador. O que vocês acham? – perguntou Ana
-- Eu vou de escada – afirmou Cláudio
-- Eu não. Prefiro o elevador.
-- Então eu vou subir de escada com Cláudio e nos encontramos lá em cima.
-- Tudo bem!

Aquela decisão não parecia premeditada, porém nestas primeiras duas semanas Cláudio reparou que por mais de uma vez Ana destinou alguns olhares a ele. Ela parecia receosa com a situação, por outro lado ele se mostrava muito ansioso e por isso a conversa acabou passando tão rápido quanto seus passos acelerados. Aquela paisagem inspirava o casal, fazendo-os perceber que o fato de tudo ao redor conspirar a favor os deixava cada dia ainda mais envolvidos.

Ana já não pensava mais com frequência no pedido de Luís. O que não saia da sua cabeça e frequentemente lhe incomodava era ver Cláudio e Carol se dando tão bem. A admiração inicial se transformou em inveja e a medida que a relação dos dois tornava-se transparente para ela ia-se transparecendo para eles sua verdadeira personalidade. Ana tentava ser sutíl. Enquanto seus olhares eram diretos e discretos ao mesmo tempo, suas palavras eram sempre indiretas e muitas vezes indiscretas na maior parte do tempo. O fato dela não gostar mais de Luís poderia ser um dos fatores que a motivava a investir em Cláudio. Outra hipótese era o ciúme que ela sentia dos dois. Porém, dentre as duas possibilidades, o verdadeiro motivo parecia estar entre uma e outra. Nunca foi segredo pra ninguém que ela sempre foi uma pessoa muito misteriosa e que a única maneira de preservar uma relação com ela era saber lidar com isso. Luís tentou mas não conseguiu. De qualquer forma eles ainda continuavam juntos, mesmo que do jeito mais informal possível.
A partir daqueles dias ela passou a ser o centro das atenções. Luís ainda mantinha alguma esperança e esperava receber algo como uma decisão final dela. Para Cláudio não havia muitos problemas e ele ainda a via como uma pessoa que lhe ajudou muito em Paris. Já Carol andava um pouco desconfiada e temia ter confiado tantas coisas a Ana.

O período curto de três meses e todos os momentos marcantes causavam a sensação de que o tempo estava passando rápido demais para Carol e Cláudio. Ultimamente os dois estavam sempre dispensando e evitando qualquer tipo de pensamento que os dispersassem da cidade. Queriam aproveitar ao máximo tudo que estava pra acontecer. Faltavam três semanas para a partida, e o lado positivo era que a despedida de Paris significava o reencontro com uma cidade tão maravilhosa quanto a que estavam.
Ana andava um pouco diferente. O seu velho hábito de mudar suas atitudes repentinamente se repetia. Ela sabia que já não havia mais como adiar e não adiantava mais prorrogar sua decisão. Continuar com aquela situação indefinida à incomodava cada vez mais. Esse foi o segundo motivo que a fez diminuir suas insinuações a Cláudio. O primeiro foi ter percebido que a indiferença dele não continuava a mesma. Sem dúvida ela era uma mulher muito atraente e sabia que atração e traição estão diretamente relacionados. O aumento da atração entre eles, aumentava as chances de traição de Cláudio. Porém, essa estória estaria em segundo plano até ela ter uma conversa final com Luís.
Tudo estava ficando cada vez mais claro para Ana e a cada vez que ela se imaginava longe de Luís vinha a sua cabeça a possibilidade de voltar a ter sua família por perto.

O frio e o vento gelado daquela tarde de sexta pareciam ter chegado na hora certa para Ana. Sem dúvidas de sua decisão e consciente de que já passava da hora de dar uma resposta a Luís ela andava em direção a praça Place des Vosges, local marcado para o encontro. A cada esquina virada ela se lembrava de que na vida dificilmente atingimos grandes objetivos caminhando apenas em linha reta. Ela sabia que as mudanças eram importantes e lhe dariam mais forças para ir até o fim. Aquela escolha lhe dava a chance de fazer novas opções dali pra frente. Era como seus pais diziam: “quando precisamos fazer uma escolha temos de decidir pelo lado que estiver com mais caminhos abertos a frente”. Ao ver Luís, ela teve um bom pressentimento e quase certeza de que ele não sairia ressentido depois da conversa.

-- Luís. Antes de você me pedir em casamento eu já tinha decidido voltar ao Brasil. Toda essa situação só prorrogou e adiou o que era inevitável. Meu tempo aqui acabou e a nossa relação também. Todos os momentos bons que passamos e os ruins que superamos vão ficar sempre guardados e eu nunca vou me esquecer de você. Semana que vem volto com o Cláudio e a Carol para o Brasil.

Luís respondeu primeiro com um longo silêncio e em seguida com algumas palavras.

-- Eu fico triste, mas acho que esse foi o melhor momento pra isso acontecer. Nossa relação já estava muito enfraquecida e qualquer decisão diferente dessa seria uma surpresa. Na verdade foi a espera dessa surpresa que me motivou a acreditar que ainda havia alguma chance de dar certo. Porém, nesses 3 meses, as chances iam diminuindo a cada dia e sempre que eu decidia ter uma conversa definitiva acabava preferindo voltar atrás com medo de que tudo terminasse. Não tenho mais o que falar. Só te desejo boa sorte e...

Luís foi diminuindo o ritmo da sua fala a cada frase. Ele tentava ser forte mas aquela conversa em tom de despedida acabou o forçando as lágrimas. Isso fez com que suas últimas palavras continuassem guardadas e aguardando um improvável retorno de Ana.
No dia seguinte Luís percebeu o quanto tinha ganho naqueles dois anos que ele considerava ter perdido ultimamente. Os risos e as lágrimas, os planos e os fracassos, as esperas e os encontros, os encontros e as despedidas, o início e o fim de tudo agora eram vistos de uma forma mais madura e com as mesmas importâncias. O que lhes restou dos dois anos em que estiveram juntos foi compreender que uma pessoa se torna inesquecível quando aprendemos alguma coisa com ela; por isso eles jamais iriam se esquecer.

1 de março de 2007. Para Carol e Cláudio os 3 meses vividos em Paris os fizeram pensar no quanto seria difícil voltarem a conviver separados no Rio. Reviver ou reeditar tudo o que passou era impensável. Eles queriam apenas usufruir e prorrogar ao máximo os efeitos positivos que aquele período causou na relação. Já Ana tinha planos diferentes. A sua volta ao Brasil lhe despertava o desejo de ir além a tudo que ela havia vivido nos dois últimos anos. O vôo decolou na hora prevista e lá do alto as luzes de Paris pareciam refletir um brilho diferente ao futuro de cada um dos três.
Já passava das nove da noite. As mães de Carol e Ana esperavam ansiosas pelas filhas. Dividir as angústias da espera fez com que elas compartilhassem algumas confidências e se conhecessem um pouco mais naquelas horas. Depois dos abraços intensos que sufocaram toda a tensão da espera tudo corria normalmente até dona Joana falar:

-- Nossa Carol, eu estava conversando com sua mãe e ela me disse sobre a sua viagem pra Itália. Eu jamais trocaria Roma por Paris. Ainda mais por ter sido uma sugestão dos seus pais e uma coisa que você sempre quis. Sinceramente eu não concordo com essas atitudes de submissão aos homens.
A mãe de Carol ficou sem palavras. Carol estava muito nervosa e a vontade de dizer tudo ao mesmo tempo para Joana lhe deixou confusa. No meio daquela troca certeira de olhares e se sentindo atingido Cláudio falou irritado:
-- Então a viagem que seus pais te prometeram era pra Roma Carol? Por que você não me disse isso? E pensar que ficamos três meses em Paris vivendo uma mentira, ou através de uma mentira. Você sabe que eu gosto das coisas muito claras e você não agiu assim comigo.
-- Cláudio! Como você é exagerado! Você não consegue perceber que eu fiz por nós? O que aconteceu com aquele Cláudio que sempre se colocava no meu lugar? Você mudou sim e pra pior. Passou do ponto. A sua imaturidade pra analisar as situações acaba comigo.

Cláudio estava muito irritado. A princípio, ele não percebeu que o principal ponto da discussão e que feriu todos os seus princípios não foi colocado por Carol e sim por dona Joana ao dizer que não concordava com “atitudes de submissão aos homens”. Ele sabia que jamais teria esta postura diante de Carol. Porém tudo estava muito recente e isso o fez decidir voltar com Ana e sua mãe e rejeitar, não a carona, mas o fato de ter de continuar próximo de Carol. Para ele, aquele tempo junto com ela até chegar em casa seria longo demias, e isso acabaria prolongando sua raiva. Como morava próximo ao aeroporto Ana deixou sua mãe em casa e seguiu com Cláudio até seu apartamento.
Os dois não trocaram quase nenhuma palavra no caminho, mas seus sentidos deixavam claro que estavam a caminho de satisfazerem um desejo que cresceu a cada dia no último mês e que foi potencializado pelo o que aconteceu no aeroporto. O carro parou e sem parar pra pensar em qualquer consequência eles se beijaram ardentemente. Os passos até o elevador eram tão firmes e decididos quanto a forma como Cláudio segurava Ana. O calor daquele momento os fez entrar quase sem perceber que já havia duas pessoas subindo.

-- Olá Ana!
-- Mateus?!

Ana estava com o semblante de quem tinha sido surpreendida. No mesmo instante a porta do elevador abriu e ela apenas disse a Cláudio que Mateus era um antigo amigo da época de faculdade. Ansioso, ele ignorou o fato, e depois de abrir a porta recomeçou os beijos intensos que agora se transformavam em pequenas mordidas pelo corpo de Ana. Seus corpos se tocavam com a mesma intensidade do rancor que ele sentia por Carol. Ana fechava os olhos e mordia os lábios deixando explícito seu prazer. Era uma entrega múltipla e constante onde inícios e fins pareciam se confundir.
Contra todos os valores morais, naquele noite, Ana apenas foi de encontro a uma situação, que com a ajuda de sua mãe, ela criou a seu favor.

O arrependimento por tudo o que aconteceu chegou de repente para Cláudio, poucas horas depois de Ana deixar o apartamento. Já passava das 9 da manhã e ele não conseguia parar de pensar em Carol. Suas posições em relação a discussão mudavam tão rápido quanto os minutos do relógio; estes agora pareciam correr e cobrá-lo a cada instante. Sem ter a quem recorrer ou dividir aquela angústia, seus passos de um lado para o outro apenas o mantinham na mesma posição. Depois de tantos erros, ligar para Carol foi a primeira atitude coerente que ele teve desde que voltou ao Brasil.

-- Carol? Sou eu...
-- Não quero mais discutir Cláudio.
-- Eu também não! Por isso te liguei. Me deixei influenciar ontem pelo momento e pela surpresa de saber da sua viagem. Realmente acabei enxergando tudo sob um ângulo errado e você acabou pagando por isso. Dissemos muitas coisas que não devíamos, por isso eu devo te pedir desculpas.
-- Eu aceito Cláudio. Mas é difícil admitir que você pensou em tudo isso tão rápido. Enfim, apesar de tudo, todas as coisas que vivemos em Paris é muito maior do que isso.

Carol não estava muito convencida daquele pedido repentino de desculpas. Cláudio sabia que aquele era só o primeiro passo do pedido de perdão, o segundo quando dado, poderia significar uma passo para trás e consequentemente o fim da relação.
Os dias iam passando e Cláudio tentava se preparar para contar a sequência dos fatos e suportar as consequências que isso teria na relação.

5 de abril de 2007. Um mês depois de trair Carol com Ana, Cláudio parecia retraído e confuso com a situação. Misteriosamente, Ana se afastou dele e a única coisa que os aproximava eram as notícias dadas por Carol. A cada vez que ela citava Ana em alguma conversa , Cláudio pensava mais uma vez em revelar o segredo. Não era justo, e nem combinava com ele, omitir tudo aquilo para continuar a relação. O tempo estava se esgotando e o toque do telefone pareceu soar como um alarme naquele momento.
-- Cláudio! Você tem que contar pra ela.
-- Ana?!
-- Conte tudo o que aconteceu pra Carol!
Ana foi direta e as suas palavras atingiram diretamente tudo que Cláudio se apoiava para guardar o segredo. Aquela fase cômoda e as horas livres que lhe davam um tempo a mais para respirar, agora o sufocavam. Depois daquela ligação tudo ganhou um “ar” de atraso para ele. Pensar em todas as vezes em que esteve com Carol, agora era como lembrar de todas as chances que teve e não aproveitou para abrir o jogo. Ana fez isso parcialmente e deixou claro para ele que ela estava disposta a usar das estratégias mais obscuras para acabar com a relação. Começava a ficar evidente que Ana não desejava ficar com ele, mas sim, por algum motivo desconhecido, apenas queria que ele não continuasse com Carol.
Passava das dez da noite. O medo de que Ana revelasse tudo deixou Cláudio mais destemido e disposto a esclarecer os fatos.

-- Carol! To indo pra sua casa. A gente precisa conversar.
-- O que foi Cláudio? Pode falar agora.
-- Não. Tem que ser pessoalmente. Não considere nada que Ana te falar até eu chegar aí.
Seu coração disparado o fazia avançar todos os sinais. Aquela mistura de medo e ansiedade compunham o seu corpo bloqueando qualquer sentimento positivo e que pudesse lhe dar esperança naquela hora. De repente uma forte luz a sua frente se contrastou com a escuridão da avenida Oscar Niemeyer fazendo-o diminuir a velocidade.
-- Sai do carro, sai do carro!

Cláudio tinha que ter pensado duas vezes mas não o fez. Apenas pensou de imediato na angústia que passava e acelerou. Os segundos seguintes foram contados e ele sabia que poderiam lhe trazer consequências incalculáveis. Houve um disparo. O silêncio seguinte falava mais alto que qualquer sentimento que ele podia ter. Cláudio já não sentia mais, estava inconsciente. O tempo indeterminado para a chegada da ambulância determinaria quais seriam suas reais chances de sobrevivência.

O andar apressado dos médicos e enfermeiros do hospital Copa D’or deixava Ana e os familiares de Cláudio ainda mais ansiosos por alguma notícia. A tensão e o nervosismo de todos era tão visível quanto a tentativa de Carol em esconder suas lágrimas. Apesar das aparências desoladas e a forte tendência em se isolar nesses momentos, todos naquela sala formavam uma força única que servia de sustentação para a fraqueza de cada um deles. Depois de uma hora de espera veio o primeiro parecer do médico.

-- Boa noite a todos. Informo a vocês que o paciente Cláudio Vieira deu entrada no hospital as 23:25 com uma perfuração no crânio. Ainda é muito cedo para fazer alguma previsão, mas o caso é delicado e há a possibilidade dele sofrer algumas sequelas. Felizmente conseguimos retirar a bala e agora ele está na unidade de terapia intensiva. Vamos trabalhar e rezar para que tudo acabe bem.
A frieza com que o médico falou chegou a assustar a mãe de Carol, que como em um impulso, abraçou a filha aos prantos. Carol tentou acalmá-la atentando-a a uma situação do passado:
-- Mãe! Você não lembra da época em que eu namorei o Mateus?!
Depois de um sinal para baixo com a cabeça de sua mãe (que mais parecia um gesto de entrega) Carol continou:
-- Então, o pai dele é médico. Ele me disse que nesses casos os médicos são bem diretos e tentam descrever exatamente o que está acontecendo. Vai ficar tudo bem, você vai ver.

Cada batimento cardíaco de Cláudio parecia rebater as possibilidades do caso se agravar. Ele se equilibrava entre a vida e a morte, e a cada minuto que passava as tendências de cair para um dos lados se invertiam.

O dia seguinte a tragédia demorava para acabar. Aquele longo tempo de espera por notícias apenas prolongava a dor e a angústia de quem ainda tinha forças para sustentar esses sentimentos depois de uma noite sem dormir. Carol mantinha-se acordada e com a certeza de que quanto mais o tempo passasse maiores seriam as chances de Cláudio sobreviver. Passava das cinco da tarde e dali alguns minutos o médico leria o segundo boletim. O celular de Carol tocou. Ana ligava para saber notícias justamente no momento em que ela tentava se desligar de tudo lá fora.

-- Oi Ana.
-- Carol! Fiquei sabendo do que aconteceu. Como o Cláudio está?
-- Ele ainda tá na UTI, mas eu tenho certeza que vai acabar tudo bem.
-- Eu estou rezando por isso. Vocês chegaram a se encontrar ontem?
-- Não. Ele só me ligou dizendo que tinha algo importante a me dizer, mas agora não tem nada mais importante do que isso. Ana, tenho que desligar porque o médico está vindo para dar notícias. Quem sabe ele já não está consciente...
-- Claro! Vai dar tudo certo!

Toda a fé de Carol acabou causando uma sensação de confissão a Ana. Ela sabia ser indiretamente culpada e por isso tentava se proteger em todos os sentidos.
A medida que o médico se aproximava, todos iam ficando cada vez mais próximos. A vida de Cláudio que há pouco estivera em suas mãos, agora se resumia a uma folha de papel composta por inícios ou fins.

Todos de mãos dadas se uniam demonstrando serem capazes de dar uma parte de suas próprias vidas pela de Cláudio. Ao todo, somava-se doze mãos dentre todos os que viviam ou sobreviviam a aquele momento. Com uma enorme discrição o médico se aproximou e descreveu os fatos.

-- Algumas vezes temos que lutar até o fim para conseguirmos alguma coisa. Outras vezes encontramos barreiras intransponíveis que determinam o final e nos impedem de seguir adiante. O Cláudio lutou até onde pôde, mas infelizmente veio a falecer hoje às 17:10 da tarde. Estejam certos de que fizemos tudo que foi possível e que estava ao nosso alcance.

As mãos se soltaram com uma certeza inversamente proporcional pela qual se juntaram. Aos prantos, Carol se abraçava e se segurava em sua mãe ao mesmo tempo. Não havia como manter-se estável naquele momento. Todos compartilhavam o mesmo sentimento de dor e perda inigualáveis a quaisquer outros. Para Carol, voltar para casa naquele dia significava não ter mais para onde ir, e ficar no hospital era como andar em círculos a espera de ter Cláudio de volta. Sem condições psicológicas para ir ao velório, seu último adeus seria dado no enterro, marcado para o dia seguinte às 10 da manhã.
A chuva fina daquela manhã de sexta, que ia molhando aos poucos o corpo de Carol, simbolizava bem como Cláudio havia conseguido entrar devagar na sua vida e de repente preencher grande parte dela. Como só se dá na ausência, a saudade ainda fazia-se ausente, visto que de corpo e alma Cláudio ainda estava presente na vida de Carol. No mesmo momento em que ela retirou sua mão do caixão, deixando sobre ele uma última flor, alguém colocou suas mãos sobre seus ombros, deixando sobre ele um apoio carinhoso.

-- Pode contar comigo Carol.
-- Mateus?!
-- Sinto muito pelo o que aconteceu, mas pode ter certeza que apesar deste tempo ausente, agora estarei sempre ao seu lado.
-- Obrigada.

Um abraço apertado não deixou espaço para nenhuma dúvida de que após algum tempo afastado, agora Mateus voltaria a fazer parte da vida de Carol.

Mateus começou a namorar Carol pouco antes dela entrar na faculdade. Sabendo que o começo de um namoro tem muitos altos e baixos, ele considerava altamente irrelevante contar sobre seu passado à ela. Pouco tempo antes, ele havia terminado uma relação de mais de um ano com Ana. Coincidentemente o destino das duas se cruzou na faculdade, traçando um paralelo entre: “ex” e “atual”.
A hipótese de contar do seu relacionamento anterior para Carol crescia a medida que sua “ex” concretizava sua amizade com ela. Ao saber do namoro, Ana se aproximou de Carol de propósito e com os piores propósitos possíveis. Ela sempre teve um ciúme doentio e estava disposta a tentar qualquer coisa para ter Mateus de volta. O tempo foi passando e uma coisa simples foi tomando proporções cada vez maiores e mais complexas a medida em que Ana se aproximava mais de Carol. Mateus sentia-se pressionado e lhe impressionava o ponto em que Ana havia chegado. A pressão que ela exercia o impedia de contar a verdade. Carol não aceitaria continuar o namoro sabendo que a amiga ainda não tinha superado isso. Sabiamente, Ana não revelou tudo para não deixar claro o motivo de sua aproximação. Mateus não suportou a união dos pequenos motivos e terminou o namoro sem dar grandes explicações. Desde então, Ana não conseguiu esquecer o episódio, e fez de Carol protagonista e responsável por toda a fase difícil que passou. Sem aceitar as desculpas e nem encontrar culpados para o término do namoro, Carol seguiu em frente e perdeu contato com Mateus. Ironicamente, o encontro com Ana em Paris viria a ser indiretamente um reencontro com o seu passado com Mateus.
Para ter mais tempo de se envolver com Cláudio, Ana prolongou a resposta do pedido de casamento para não antecipar sua volta ao Brasil. Aqueles 3 meses eram o tempo que ela precisava para seduzi-lo e “dar o troco” em Carol (devolvendo à ela todos os seus ressentimentos). Carol foi considerada culpada sem saber do julgamento de Ana. Seguindo em frente com seus planos, o próximo passo de Ana era fazer Carol se defrontar com a traição de Cláudio e ver refletido tudo o que sentia quando a via com Mateus. Porém, depois dos rumores do acidente e da morte de Cláudio a situação mudou de rumo e Ana já não desejava mais que ela soubesse de tudo.
Depois de flagrar Ana e Cláudio no elevador, Mateus estava disposto a surpreendê-la revelando tudo a Carol. Porém, o fato de ter namorado Ana antes de Carol estava diretamente relacionado a traição, pois serviria de desculpa para Ana se defender. Mesmo indefeso, Mateus via a chance de esclarecer tudo com Carol. Apesar de estar em suas mãos, a verdade ia escorrendo-lhe pelos dedos, deixando-o ainda mais indeciso do que fazer.

12 de junho de 2007. A dor causada pela morte de Cláudio ecoava em Carol todas as noites antes dela dormir. Cada dia sucedido a tragédia precedia o encontro dela com novas sensações de perda. Era uma sucessão de lembranças positivas acumulando-se sobre um fato negativo e que ela queria esquecer. Seu ímpeto para conseguir o primeiro emprego diminuiu. As músicas antes ouvidas, agora eram apenas escutadas. Suas falas sempre bem construídas, agora faziam-se em pedaços sob curtas expressões. Seus olhos mal se sustentavam, não dando abertura para a esperança, nem servindo de base para novas perspectivas. Suas lágrimas começavam a secar o seu rosto e na naquele ritmo terminariam secando sua vida se algo não acontecesse.
Mateus continuava com o seu dilema de tentar aproximar as duas revelações que tinha pra fazer sem se afastar de Carol. Seus contatos com ela eram rápidos e usuais pessoalmente e um poucos mais prolongados por telefone. Ele sabia que Carol precisava de muitas pessoas a seu lado naquele momento e mesmo não sendo prioridade para ela, ele ainda continuava priorizando os seus planos para os dois.
Ana se colocava entre o choque da perda, o arrependimento pelo o que fez e a angústia da confissão. O acidente desencadeou essa sequencia de sentimentos que cada dia a deixava mais presa a situação. Nas últimas semanas falar com Carol tornou-se uma novidade tão grande quanto as que ela insistia em esconder.
O três cruzavam suas reflexões sobre os reflexos do acidente. Mateus sabia o segredo de Ana e guardava o seu de Carol. Ana tentava se afastar, mas a imagem dos últimos acontecimentos ainda era muito forte em seus olhos. Já Carol, apenas tentava absorver o que aconteceu sem saber que os outros dois aguardavam sua absolvição pelo o que poderia acontecer.

Os dias iam passando e com eles a oportunidade de Mateus conseguir se reaproximar definitivamente de Carol. Ele sabia que ainda lhe devia algumas explicações e como alguém que tenta arrumar um modo para pagar o que deve, ele começava a preparar um plano para contar toda a verdade. Era inevitável que Ana fizesse parte, e a sua parte nisso tudo. Antes de se preocupar com a forma como contaria a Carol ele se pré-ocupou em falar com Ana e esclarecer os fatos.

-- Alô. Ana?
-- Quem é?
-- Sou eu, Mateus.
-- Oi Mateus! Tudo bem?
-- Olha Ana, sinceramente eu prefiro ir direto ao assunto. Você sabe o que fez e as consequências que isso teve...
-- Eu não matei o Cláudio! – disse Ana receosa
-- Não estou dizendo isso. O fato é que agora você tem que contar toda a verdade pra Carol e deixar cair essa máscara que você sempre usou.
-- Máscara? Eu não vou contar nada e se você fizer isso eu digo a ela sobre o tempo em que a gente namorou. Coitadinha! Vai se sentir tão enganada...
-- Não precisa Ana. Isso eu mesmo vou fazer. Tenho certeza que vai ser só o primeiro momento das revelações. A diferença é que no meu caso ela vai entender que tudo o que fiz não foi porque eu não gostava mais dela, e sim por compaixão a você. Já no seu caso vai ser um pouco mais difícil encontrar algum sentimento nobre que justifique suas atitudes.

Mateus realmente fez a escolha certa ao pressionar Ana para que ela mesma revelasse todos os seus erros. A sua conversa com Carol serviria apenas como preparação para a segunda revelação. Tudo ia tornando-se cada vez mais claro para Mateus e mais obscuro para Ana. Carol ainda pairava nas nebulosidades daquela fase.

Aquela manhã de sábado colocaria em jogo e em risco todos os planos de Mateus. Ele sem dúvida estava disposto a arriscar, mas sem fazer qualquer tipo de jogo com Carol. Ao invés de pensar em arrumar uma desculpa para tudo o que aconteceu ele só pensava em dizer a verdade; isso lhe poupou a maior parte do tempo em que viveu aquela angústia. A última e decisiva parte seria compartilhada com Carol dali a alguns instantes. Em uma mesa de bar qualquer, a conversa começou e fluiu tão rápido quanto os copos de cerveja que se revezavam quase no mesmo ritmo das falas de cada um deles.

-- Como você tá Carol?
-- É difícil explicar o que sinto. É difícil lembrar tudo o que passou e imaginar tudo o que estava por vir. É difícil tentar me ver, e viver, livre de qualquer tipo de sonho. Isso já parece ser sonhar demais.
-- O que eu tenho pra te falar pode ser impactante em um primeiro momento, mas depois eu tenho certeza que vai te fazer sim voltar a se sentir viva. Lembra da época que a gente namorou?

Carol fez um leve sinal de positivo com a cabeça.

-- Então. Antes eu tinha terminado um namoro com a Ana. Resolvi não te falar porque tudo ainda era muito recente e a medida que ela se aproximou de você foi ficando mais difícil de te contar. Eu só quero que fique claro que eu só terminei por compaixão a ela e não porque não gostava mais de você.
-- Mas porque ela não me disse isso? – perguntou Carol.
-- Pra não deixar claro que ela só tinha se aproximado de você por minha causa.
-- Meu Deus!
Carol punha as mãos na cabeça enquanto tentava organizar os fatos.
-- Então foi por isso que ela algumas vezes olhava um pouco diferente pro Cláudio quando a gente tava em Paris. Será que ela se julgou enganada por mim e por isso queria se vingar? Mas espera aí...
Enquanto seus olhos voltavam-se para baixo ela levantou a questão mais importante do encontro.
-- Agora eu me lembrei. Antes de sair de carro na noite do acidente o Cláudio me pediu pra não considerar nada que a Ana me dissesse! Eu preciso falar com ela pra esclarecer tudo isso.
Alguns fatos começavam a se encaixar e ao mesmo tempo não faziam sentido nenhum que tivessem acontecido para Carol. Agora restavam apenas ela, Ana e entre as duas tudo que se passou até agora.

E se Carol não tivesse namorado Mateus? E se a viagem fosse pra Roma e não Paris? E se em todos esses casos o acaso tivesse sido mais amigo? Questionamentos e dúvidas se fundiam confundindo a cabeça de Carol. Um sentimento de perda e traição pairava no ar junto com a leve brisa da praia de Copacabana. Enquanto caminhava em direção a Ana, ela tentava imaginar quais rumos sua vida tomaria depois daquele encontro. Por que aquela brisa não se transformava logo em vento para carregar todos os maus sentimentos que ela guardava consigo? A praia, as pessoas sorrindo no calçadão, o sol e o céu azul eram o seu contraste naquela tarde. Ao contrário dela e de tudo o que as cercava, Ana esperava sentada no banco como se estivesse em um mundo paralelo. Carol chegou e com o semblante de quem pretendia ir embora começou a conversa.

-- Eu nunca fiz nada contra você Ana! Namorei o Mateus sem saber do caso de vocês. Sempre que estivemos juntas eu julguei serem sinceros e verdadeiros todos os momentos. Agora eu só fico me perguntando o porque. Por que você não me contou sobre o Mateus? Por que começou a se insinuar pro Cláudio? Você tem que me contar toda a verdade!
Ana permanecia imóvel e inabalável. Carol continuou:
-- Metade de tudo o que você fez e o que você é, agora faz sentido pra mim. Chega a ser surpreendente mas ainda é pouco. Eu não vou te pressionar a falar nada, mas tenho certeza de que se você está escondendo alguma coisa essa vai ser uma pressão e um peso que você carregará pro resto da vida. A sua chance de se livrar disso é agora.
Ana foi mudando de postura e se curvando para baixo a medida que Carol colocava sua visão de cima da situação. Ela não suportou e falou em um tom de desespero:
-- Eu transei com o Cláudio no dia que voltamos de Paris! Depois do que aconteceu eu preferiria que você não soubesse, mas aconteceu!
Uma lágrima caída do olho esquerdo de Carol dizia metade do que ela sentia, a outra metade ela mesma falou em um tom mais baixo:
-- Eu imaginei que isso pudesse ter acontecido. Não sei como você pode ser tão imatura e insensível. A forma como você julgou e agiu diante dos fatos foi de uma mediocridade incomparável. Realmente, boa índole e bom caráter são coisas que nascem com a gente e se fortalecem com o passar do tempo. Você não tem nenhuma delas e eu fico imaginado o quão vazia e sem perspectiva a sua vida deve ser por isso. Agora cada uma de nós vai seguir o seu caminho e eu não desejo o seu mal, mas a partir de hoje serei completamente indiferente a você.

Ana ficou sem palavras e sem saber o que fazer. Depois de assimilar o que aconteceu Carol balançou, e sem forças caiu sob todas as dificuldades. O mundo realmente parecia girar no sentido contrário ao que ela seguia. Se inicialmente ela só pensava em se acertar com Cláudio, agora era como se finalmente Ana tivesse conseguido acertá-la em cheio, estabelecendo um grande vazio dentro de si. Ao mesmo tempo que seus passos lentos deixavam para trás tudo o que aconteceu, suas lembranças traziam uma sensação de perda a sua vida e seus olhos perdidos demonstravam que seria difícil se recuperar daquela sequência de decepções. Se as estórias de amor sempre tem um final feliz, Carol começava a imaginar que a sua estória não havia tido amor suficiente e que felizes são aqueles que não colocam um fim nas suas estórias.

E se Carol não tivesse conhecido uma pessoa como o Mateus? E se Roma não tivesse uma virada de ano tão iluminada como a de Paris? E se em todos esses casos tudo o que aconteceu não foi por acaso? Questionamentos e dúvidas se fundiam e conduziam os pensamentos de Carol. Um sentimento de plenitude pairava no ar junto com a leve brisa da praia de Copacabana. Enquanto caminhava em direção a Ana, ela tentava imaginar quais rumos sua vida tomaria depois daquele encontro. Por que aquela brisa não se transformava logo em vento para carregar todos os maus sentimentos que Ana guardava consigo? A praia, as pessoas sorrindo no calçadão, o sol e o ceú azul eram o retrato de Carol que se contrastava com a imagem de Ana naquela tarde. Ao contrário de Carol, ela esperava apreensiva, sentada de pernas cruzadas como se estivesse em um mundo paralelo. Carol chegou e com o semblante de quem não iria embora antes de esclarecer tudo começou a conversa.

-- Eu nunca fiz nada contra você Ana! Namorei o Mateus sem saber do caso de vocês. Sempre que estivemos juntas eu julguei serem sinceros e verdadeiros todos os momentos. Agora eu só fico me perguntando o porque. Por que você não me contou sobre o Mateus? Porque começou a se insinuar pro Cláudio? Você tem que me contar toda a verdade!
Ana permanecia imóvel e inabalável. Carol continuou:
-- Metade de tudo o que você fez e o que você é agora faz sentido pra mim. Chega a ser surpreendente mas ainda é pouco. Eu não vou te pressionar a falar nada, mas tenho certeza de que se você está escondendo alguma coisa essa vai ser uma pressão e um peso que você carregará pro resto da vida. A sua chance de se livrar disso é agora.
Ana foi mudando de postura e se curvando para baixo a medida que Carol colocava sua visão de cima da situação. Ela não suportou e falou em um tom de desespero:
-- Eu transei com o Cláudio no dia que voltamos de Paris! Depois do que aconteceu eu preferiria que você não soubesse, mas aconteceu!
Uma lágrima caída do olho esquerdo de Carol dizia metade do que ela sentia, a outra metade ela mesma falou:
-- Eu imaginei que isso pudesse ter acontecido. Não sei como você pode ser tão imatura e insensível. A forma como você julgou e agiu diante dos fatos foi de uma mediocridade incomparável. Realmente, boa índole e bom caráter são coisas que nascem com a gente e se fortalecem com o passar do tempo. Você não tem nenhuma delas e eu fico imaginado o quão vazia e sem perspectiva a sua vida deve ser por isso. Agora cada uma de nós vai seguir o seu caminho e eu não desejo o seu mal, mas a partir de hoje serei completamente indiferente a você.

Ana ficou sem palavras e sem saber o que fazer. Depois de assimilar o que aconteceu, Carol balançou e mais forte prosseguiu sobre todas as dificuldades. O mundo realmente parecia ter se alinhado ao sentido que ela seguia. Se inicialmente ela só pensava em se acertar com Cláudio, agora era como se finalmente ela tivesse na direção certa depois de tirar Ana do seu caminho. Ao mesmo tempo que suas mágoas desapareciam tão rapidamente quanto seus passos acelerados, suas lembranças traziam uma sensação de ganho a sua vida e seus olhos tinham um brilho intenso que demonstravam o quanto ela havia aprendido com tudo o que aconteceu. Se as estórias de amor sempre tem um final feliz, Carol começava a imaginar o quanto sua estória a fez aumentar dentro de si o amor que pode sentir e no quanto seria feliz começando uma nova estória com Mateus.

“20 de dezembro de 2007. Me lembro do dia que conheci o Cláudio. Era uma tarde comum de sábado e uma de minhas amigas o apresentou. Não sei explicar muito bem, mas depois de um certo tempo, talvez por me conhecer melhor, criei uma capacidade de logo no primeiro encontro saber se aquela pessoa pode ou não se tornar especial pra mim. Com o Cláudio foi assim, sabia que podia dar certo; por isso não pensei duas vezes e segui minha intuição. Há alguns momentos na vida em que não podemos parar muito pra pensar; temos que fazer o que achamos correto com muita intensidade e pensamento positivo. Fiz isso e deu certo. Começamos a namorar como qualquer outro casal acreditando que o amor se dá nas semelhanças. O tempo foi passando e fomos descobrindo que as paixões se dão nas semelhanças e que na verdade o amor se dá nas diferenças e em como convivemos com elas. A viagem para Paris foi a mais especial que já fiz. Cheguei sim a ter medo de como seria e me perguntei várias vezes se não estava cedendo demais pelo Cláudio. Não estava, e mesmo que estivesse, aquilo significava uma mudança particular e mesmo que a viagem não desse certo eu já tinha acertado em começar a deixar aquele egoísmo um pouco de lado. Voltamos ao Brasil e ele acabou ficando com a Ana. Não tenho muito o que comentar sobre ela. Tudo o que tinha pra falar foi dito no nosso último encontro. Hoje vejo que por mais dispostos que estejamos a não ferir alguém, também temos que estar dispostos a perdoar esse alguém caso ele nos fira. Naquela época eu não estava disposta a perdoar o Cláudio e acabou não sendo preciso. Ele se foi e deixou em mim um vazio que se preenche um pouco a medida que eu escrevo esse texto. Agora percebo que talvez ele não fosse o homem da minha vida, mas enquanto estivemos juntos eu acreditei plenamente nisso. Aprendi que o equilíbrio é importante em qualquer situação e que se você chegar ao ponto de morrer de amor por alguém é bem capaz que um dia você seja morta por esse amor. Agora mantenho sempre a cabeça nas nuvens e os pés no chão. Considero a reciprocidade umas das coisas mais importantes da relação e é nela que está baseada meu namoro com o Mateus (realmente é difícil explicar o quanto é fácil nos entendermos). Temos um ao outro sem excessos nem faltas e assim do nosso jeito vamos seguindo sem nos compararmos e nem servindo de comparação pra ninguém.”

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