Código da Vinci

Ela sempre se viu como um livro. Onde sua beleza sempre esteve estampada na capa e se diluia até a página 5. Todos que até então a conheceram só se dispuseram a admirar a capa ou no máximo lê-la até a página 5. Pobres aqueles que nunca quiseram  explorar todos os seus mistérios, cada linha do que estava escrito e cada entrelinha do que não estava escrito. Ela se sentia especial, um livro raro, para poucos. Longe de querer ser uma obra notável ela só queria mesmo era poder compartilhar sua história com alguém capaz de interpretá-la de uma forma que desse ainda mais significado a todo o seu conteúdo. Isso parecia tão distante... muito distante... Até que ela o conheceu. 

Curiosamente ele também se via como um livro. Porém, estava esquecido no fundo de uma gaveta, sem capa e nem contracapa. Imediatamente ela pensou: eu quero ler

Os encontros começaram a acontecer e a cada novo capítulo explorado ela se via ainda mais na sua história. Algumas vezes tinha a sensação de já fazer parte dela, mesmo sem que antes eles nunca tivessem tido contato.  Um pouco insegura ela parecia não ter certeza se ele realmente teria interesse em ir além da página 5 e por isso resolveu esperar mais um tempo até começar de fato a se envolver. Três meses depois estavam os dois conversando sobre suas vidas quando, curiosa, ela quis saber porque o livro dele estava sem capa

- Eu joguei fora. E até te conhecer também estava jogando todo o resto. Você deve ter reparado que a partir da página 70 já não é possível ler mais nada. Sim, pois daquele momento em diante, a cada dia, uma memória foi perdida ao mesmo tempo que nada de novo foi acrescentado

- E o que te fez mudar? Querer voltar a escrever - ela perguntou

- Você - ele respondeu

- Me fale mais sobre isso

- O seu interesse em querer me ler e o meu interesse em querer voltar a me sentir vivo me fizeram mudar 

Intrigada por conseguir acesso tão rápido a algo tão valioso, ela perguntou:

- Por que quando nos conhecemos você confiou a mim tantas coisas importantes da sua vida sem nem mesmo saber quem eu era?

- Porque você é diferente. Depois de um tempo me tornei capaz de distinguir pessoas ordinárias de pessoas extraordinárias rapidamente 

- E você me acha extraordinária?

- Não

- Não? - ela disse surpresa 

- Te acho alguém misteriosa, quase indecifrável. Alguém que não se pode definir. 

Ainda espantada, mas agora com a forma como tudo se encaixava para os dois, ela tirou da bolsa um papel com uma pintura de seu rosto e o entregou

- O que é isso Monalisa? - ele perguntou 

- O retrato de alguém que já não se vê mais como um livro, mas sim como um quadro 

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